Amanhã abrirei a janela para o inevitável mundo que me rodeia, tão certo e seguro como volátil e destruidor será para outros olhos, lavarei o rosto no perfume destes sentidos enquanto outros dedos calarão outras palavras.
Amanhã será um outro dia igual a todos os outros em que somos vis cobardes ou sublimes, ou apenas humanos.
O atentado em Madrid reivindicado pela ETA é um rude golpe na esperança de tentativa de resolução de mais um sangrento conflito de décadas, e uma derrota política para Zapatero. Não sei muito bem o que se vai seguir mas acho totalmente inaceitável que, numa democracia plena, se usem métodos terroristas para atingir objectivos políticos.
Todo este assunto iraquiano é triste e repugnante, desde Saddam Hussein e o seu regime sanguinário, às mentiras que deliberadamente foram massificadas e repetidas à exaustão para justificar a invasão do Iraque, ao arrepio das Nações Unidas e de vozes, como as de Freitas do Amaral e de Mário Soares (a quem apelidaram de sonhadores, não rendidos à real politics), à exibição da captura de Saddam Hussein, como um troféu de caça, à desastrada campanha política e militar no Iraque, com que se pretendia instaurar um regime democrático, ao julgamento do ditador, às mortes diárias de militares e civis, aos atabalhoados recuos pseudo estratégicos da administração americana pró intervenção iraquiana, ou ao que resta dela após as eleições, à execução por enforcamento, como se de um coelho se tratasse, de um ser humano, por muito abjecto que ele fosse.
Mas, como fez notar Marta R., até na abjecção há pessoas mais importantes que outras.
Como tem sido hábito as reformas que o governo anuncia começam sempre por uma sensibilização da opinião pública para o problema, realçando o que de negativo e pouco abonador acontece nos vários sectores, principalmente no que diz respeito aos dependentes da administração pública. É obviamente uma medida populista mas que os diversos grupos profissionais não têm sabido aproveitar e, pelo contrário, com as posições totalmente retrógradas e absurdas de defesa do indefensável, apenas facilitam o caminho ao governo. Foi assim com os professores, com os juízes e com os militares.
Como era previsível, a hora dos médicos haveria de chegar. Como era espectável, a reacção corporativista dos representantes da classe não se fez esperar. Desde o momento em que começou a ser posta em causa a acumulação de funções nos sectores público e privado, o conflito de interesses entre quem trabalha nos dois sectores, baseado também em estudos da Inspecção Geral de Saúde (IGS) que evidenciam a total falta de controle da assiduidade dos profissionais (uma situação que se tem arrastado ao longo dos anos e da qual todos são responsáveis), o Bastonário da Ordem dos Médicos tem-se multiplicado em intervenções que, ao contrário do que deveria ser o seu objectivo, descredibiliza a classe e os seus profissionais.
Os médicos, enquanto funcionários do Estado, têm um contrato assinado de livre vontade, em que se comprometem a cumprir determinado tipo de funções, num determinado local de trabalho, com um determinado horário, a troco de uma remuneração, de dias de férias, de protecção social e de garantia de formação pós graduada. O seu dever como profissionais é exercerem o melhor possível a sua profissão, ou seja, actuarem na prevenção, no diagnóstico, na terapêutica da doença, e no seguimento dos doentes.
O Estado tem como dever pugnar porque os profissionais que forma e contrata, cumpram com o maior zelo possível as cláusulas contratuais, entre as quais está o cumprimento de horários.
Podemos discutir se os contratos devem ser baseados em horários ou em tarefas, podemos discutir se a remuneração deve ser por hora de trabalho ou por desempenho de objectivos, podemos discutir a avaliação do tipo de desempenho e quais as várias vertentes que devem ser objectivamente valorizadas. Mas enquanto funcionários do Estado os médicos têm que cumprir os seus contratos, assim como os deverão cumprir com outras entidades patronais, que não o Estado.
Ou então, assumem-se como profissionais liberais, sendo patrões de si próprios e tendo capacidade negocial total na definição dos termos contratuais da sua própria actividade, cujo único vínculo será o doente.
A “cruzada” de Pedro Nunes contra as leis dos funcionários públicos que não se aplicam aos médicos, para além de me parecer estar a exorbitar as competências estatutárias da Ordem dos Médicos (estes problemas pertencem ao âmbito do movimento sindical), leva imediatamente à total desconfiança de todos os cidadãos. A redução do problema da assiduidade aos segundos contados pelo aparelho electrónico é demagógica e populista. E o facto deste problema ter sido levantado pela IGS só vem demonstrar a falência da auto regulação ou da regulação efectuada pelos directores de serviço, que Pedro Nunes tanto defende.
Com tantos e graves problemas que atravessam o nosso SNS, como a falta de condições de segurança e salubridade em múltiplos serviços, as carências de médicos e de enfermeiros, os serviços de urgência à beira da rotura, mobilizaram-se 19 de 25 directores de serviço ultrajados pela tentativa de cumprimento da lei no controlo da assiduidade, com um método experimental! Por coincidência, essa demissão foi mediatizada no momento em que decorria uma reunião com a Ordem, na qual se debateu este gravíssimo problema, no entender destes médicos criado pela tutela, cuja vontade de cumprir a lei faz perigar enormemente a qualidade de atendimento dos doentes!
Gostaria de ver os sindicatos médicos a renegociarem os contratos de trabalho, atendendo à qualidade do serviço, à produtividade, ao empenho dos profissionais, à flexibilização de horários, ao tele-trabalho, para as funções que não necessitem da presença física do prestador de serviços de saúde.
Gostaria de ver o Bastonário da Ordem dos Médicos preocupar-se com os verdadeiros problemas da saúde em Portugal, dignificando a classe médica e pugnando pela sua formação contínua e de qualidade, lutando por uma política de gestão de recursos humanos realista e urgente, chamando a atenção para condicionalismos e especificidades de cada especialidade e do problema da interioridade, enfim defendendo a verdadeira ética e deontologia médica ao serviço ao doente.
Art. 4.º 1. A Ordem dos Médicos reconhece que a defesa dos legítimos interesses dos médicos pressupõe o exercício de uma medicina humanizada que respeite o direito à saúde de todos os cidadãos. 2. A Ordem dos Médicos exerce a sua acção com total independência em relação ao Estado, formações políticas, religiosas ou outras organizações. 3. O sistema democrático regula a orgânica e vida interna da Ordem dos Médicos, constituindo-se o seu controle um dever e um direito de todos os seus associados, nomeadamente no que respeita à eleição e destituição de todos os seus dirigentes e à livre discussão de todas as questões da sua vida associativa. (…)
Art. 6.º A Ordem dos Médicos tem por finalidades essenciais: a) Defender a ética, a deontologia e a qualificação profissional médicas, a fim de assegurar e fazer respeitar o direito dos utentes a uma medicina qualificada; b) Fomentar e defender os interesses da profissão médica a todos os níveis, nomeadamente no respeitante à promoção sócio profissional, à segurança social e às relações de trabalho; (Esta norma foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, na parte que se refere a "relações de trabalho", pela Resolução 11/78 do Conselho da Revolução, publicada na 1.ª Série do DR de 26.01.78);c) Promover o desenvolvimento da cultura médica e concorrer para o estabelecimento e aperfeiçoamento constante do Serviço Nacional de Saúde, colaborando na política nacional de saúde em todos os aspectos, nomeadamente no ensino médico e carreiras médicas; d) Dar parecer sobre todos os assuntos relacionados com o ensino, com o exercício da medicina e com a organização dos serviços que se ocupem da saúde, sempre que julgue conveniente fazê-lo, junto das entidades oficiais competentes ou quando por estas for consultada; e) Velar pelo exacto cumprimento da lei, do presente Estatuto e respectivos regulamentos, nomeadamente no que se refere ao título e à profissão de médico, promovendo procedimento judicial contra quem o use ou a exerça ilegalmente;
Faltam poucos dias para renovarmos todas as nossas cíclicas boas intenções. Mas os rituais servem para isso mesmo, para podermos reequacionar prioridades e valores, para planear aquilo que não é controlável, mas que nos dá algum sentido de segurança.
Nestes horas em que pensamos reiniciar a vida, mesmo que ela recomece a todo o momento, nos actos mais banais da existência, sinto sempre que sou uma privilegiada, nomeadamente pelos amigos que tenho, pelas pessoas com quem me tenho cruzado, descoberto ou reencontrado, pelos desafios que ainda tenho de enfrentar e pelo enorme gozo de viver, mesmo que, por vezes, a vida seja amarga e triste.
O próximo ano será igual ao anterior e totalmente diferente, porque todos os segundos são avanços e nada se repete exactamente da mesma forma. Continuaremos a ter aumentos de bens de consumo, continuaremos a tomar muitos antidepressivos e ansiolíticos, continuaremos a queixar-nos do imenso trabalho que nos falta fazer, bebericando incontáveis chávenas de café, continuaremos a molhar-nos com a chuva e a derretermos com o bafo do Verão, a irritar-nos com os ralhetes de Sócrates e com a inanidade da oposição, continuaremos a gozar pontes, feriados e fins-de-semana, a clamar pela sociedade civil que não fazemos intenção de formar, dinamizar ou mexer.
Continuaremos a ser portugueses, no que temos de mau e no que temos de bom. Mas eu até gosto, nem que seja de vez em quando…
Não sei se ficou bem explícito, no meu post anterior, no meio de todos aqueles considerandos, que considero importante o controle da assiduidade dos profissionais de saúde e lamentáveis as reacções do Bastonário da Ordem dos Médicos e do Sindicato dos Enfermeiros. Ainda por cima, sendo esta uma matéria que diz respeito às competências sindicais, não se percebe muito bem o porquê da intervenção de Pedro Nunes (veja-se, por exemplo, a posição da Vice-Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, que desvaloriza esta questão)!
Se não se podem controlar horários diários rígidos e fixos, podem com certeza controlar-se horários semanais. É preciso, duma vez por todas, assumir que as unidades de saúde estatais estão mal geridas, e este é um entre muitos dos aspectos a regular. Comparar os gastos inúteis em relógios de ponto com os gastos que não se fazem em medicamentos, isso sim, é populista e demagógico!
Em Portugal, os problemas da assiduidade e da pontualidade são sempre vistos e sentidos de formas diferentes, dependendo do lado em que se está.
Se esperamos pela abertura de repartições, por uma consulta médica marcada para 2 horas antes, por alunos que chegam sistematicamente atrasados, se nunca conseguimos falar com alguém, por este ainda não ter chegado ou já ter saído para uma reunião importantíssima, estamos totalmente de acordo com a implementação dos relógios de ponto mecânicos ou electrónicos, com o rigoroso cumprimento de horários e com a exigência de sanções aos prevaricadores.
Mas quando chegamos sistematicamente atrasados às reuniões, porque não deixámos de tomar o imprescindível café, quando trabalhamos por tarefas e concluímos que o serviço está feito, mesmo que o horário ainda não se tenha esgotado, ou quando podemos realizar o trabalho noutro ambiente, nomeadamente em casa, porque não necessitamos de aparelhos ou de atender o público, aí já não se justificam relógios de ponto, nem obrigatoriedades de permanência num determinado local físico, cumprindo um horário fixo.
É claro que é necessário controlar a assiduidade e a pontualidade dos profissionais de saúde, como aliás de quaisquer outros. Não se admite que blocos operatórios que deveriam começar a funcionar a uma determinada hora não o façam por falta de pontualidade dos profissionais. Não se admite que estejam doentes horas à espera de consultas porque as marcadas para as 8:00h começam às 10:00h. Não se aceita que um serviço com um quadro composto por várias pessoas funcione com menos de metade porque as outras estão algures em parte incerta. Estas situações existem e são responsáveis por uma parte da ineficiência dos serviços públicos.
Mas há também o reverso da medalha. Os profissionais que trabalham nos serviços de urgência têm direito, por lei e pela segurança da qualidade diagnóstica, a folga no dia seguinte, para descansarem. No entanto, pela escassez de recursos humanos, continuam a trabalhar ininterruptamente, repetindo-se esta situação mais do que uma vez por semana. Nestes casos, os profissionais dão muito mais horas ao serviço público, não sendo remunerados por esse trabalho adicional. Por outro lado, há tarefas não têm horários rígidos: uma cirurgia pode demorar meia ou quatro horas, se houver complicações pelo caminho. A observação de tecidos ao microscópio, para os diagnósticos das lesões operadas ou biopsadas (pequenos fragmentos que se retiram de um tumor, por exemplo, para ser analisado), não necessita ser feita integralmente no serviço, havendo diagnósticos fáceis e outros que precisam de muito tempo de estudo e, inclusivamente, de consultas a especialistas exteriores às próprias instituições.
O que me preocupa é o facto de, em vez de se pugnar por regimes de trabalho que assegurem a qualidade do serviço prestado às populações, no que diz respeito ao cumprimento dos horários, à rapidez e eficácia diagnóstica, à gestão dos escassos recursos humanos existentes, em vez de se chamar a atenção do poder político para as graves assimetrias na distribuição de médicos por determinadas especialidades, o que levará à exaustão e ao envelhecimento dos poucos que ainda persistem, se perdem estas oportunidades a assumir posturas conservadoras, sem se sugerirem soluções que resolvam os problemas e responsabilizem os profissionais todos, desde os administradores, aos directores clínicos, directores de serviços, médicos, enfermeiros e auxiliares de acção médica, pelo integral cumprimento das suas funções.
Os horários devem ser controlados e adequados a cada função e a cada especialidade; deve apostar-se na pontualidade e, principalmente, em cumprir metas e objectivos bem definidos, nunca perdendo de vista aquilo que é mais importante: a qualidade no atendimento dos doentes.