por Sofia Loureiro dos Santos, em 23.01.08
Passei a última 2ª feira fascinada, orgulhosa, interessada e esperançada em tudo, na ciência, na juventude, nas ideias, na perseverança de as provar, na qualidade espantosa de algumas pessoas que temos o privilégio de ouvir, uma ou duas vezes, de nos embalar no seu entusiasmo e inspiração.
Vem tudo isto a propósito de um simpósio a que assisti, no IPATIMUP, na inauguração de mais um Programa Graduado em Áreas de Biologia Básica e Aplicada, cujo tema foi a capacidade das células cancerosas se moverem, os caminhos abertos para a invasão, a importância do micro ambiente em que se desenvolvem os tumores e as possibilidades terapêuticas que se abrem, ao perceber que as células se podem comportar de uma forma maligna, mesmo sendo normais, ou de uma forma benigna, mesmo tendo inúmeras anomalias genéticas, dependendo da normalidade ou anormalidade do seu tecido de sustentação, da sua matriz extra-celular. Foi realçada a importância da manutenção da estrutura normal de cada tecido diferente pois, como dizia uma das investigadoras presentes Mina J. Bissell, as células do nariz têm que se lembrar que são células do nariz, assim como as das glândulas mamárias têm que se lembrar de secretar leite.
Pois se todos os biliões de diferentes células têm a mesma informação genética que o zigoto, a célula primordial, deverão ser factores ambientais que interagem com as células e induzem a diferenciação em diversas direcções. Dito por geneticistas o fenótipo é mais importante que o genótipo.
Foi um vendaval cerebral sobre as fronteiras que vão sendo desbravadas, na companhia dos melhores investigadores nacionais e internacionais. Quando nos lamentamos tanto da pequenez e mediocridade do nosso país, é bom que saibamos que temos muito de que nos orgulhar. E muito para pensar e fazer.
Extrapolando para a metafísica e para a filosofia, até com leis matemáticas de permeio, a estrutura tridimensional da natureza repete-se, desde o micro ao macro universo.
Adenda: vale a pena ler este excelente artigo do Público de 23/01/2008, no P2, de Andrea Cunha Freitas
"Quero ser um exemplo para os jovens" Se a ciência projectasse alguém como acontece no meio artístico, esta mulher seria uma estrela. Apresentamos-lhe Mina J. Bissell, uma referência em muitos sentidos da vida, que se revelou no estudo do cancro da mama.
Tinha 18 anos quando saiu do Irão para os Estados Unidos, para estudar. Pouco depois, era uma das três mulheres no grupo de 200 homens que entrava no curso de Medicina em Harvard. Engravidou cedo e, apesar das vozes que profetizavam o fim da sua carreira de investigadora, provou que todos estavam errados. Algo, aliás, que é quase a sua marca. Na ciência fez o mesmo: quando todos escolhiam o popular caminho do estudo dos genes para descobrir as forças e fraquezas do cancro, Mina J. Bissell concentrou-se no que estava à volta das células - a chamada matrix extracelular (ECM). Passados 30 anos, continua do lado oposto aos "viciados em oncogenes" e a sua tese foi cientificamente validada. Sem modéstia, diz que gostava de ser um exemplo para os mais novos. Em várias vertentes.
Conquistou a plateia da conferência que fez, segunda-feira, no Porto, em poucos minutos. A confissão de simples limitações, como a dificuldade de gerir ao mesmo tempo um microfone, um apontador e outro aparelho que servia para mudar os slides, e a sua desarmante franqueza - quando quis controlar a iluminação na sala mandando acender umas luzes e apagar outras, admitiu que estava habituada a dar ordens - fizeram com que a simpatia se juntasse à admiração entre pares. Todos sabiam estar perante uma referência no mundo da ciência, mas encontraram também uma mulher especial. Mina J. Bissell não desiludiu.
Na apresentação da palestra, Alexandre Quintanilha, director do Instituto de Biologia Molecular e Celular, já tinha avisado: "É possivelmente a oradora que profere as melhores conferências a que teve oportunidade de assistir." A cientista Maria de Sousa alertou, mais do que uma vez, que estávamos perante "uma mulher excepcional" e Manuel Sobrinho-Simões confirmou: "É única." Quem pesquisou algo sobre ela - "cabeça de cartaz" do simpósio que marcou anteontem o lançamento da edição de 2007/2008 do GABBA (Programa Graduado em Áreas de biologia Básica e Aplicada) - encontrou uma longa lista de elogios. A entrevista à Incyte Genomics publicada na Mina"s Page do site do seu laboratório, por exemplo, começa com a seguinte frase: "Mina J. Bissell gosta de correr riscos." A da revista Nature com a afirmação: "Poucas coisas assustam Mina Bissel." Em todas as apresentações fala-se na audácia da cientista que fez questão de ir contra as correntes dominantes e até há já quem a aponte como forte candidata a um Prémio Nobel. A sua vida privada mistura-se com a carreira científica e, em ambos os casos, todos lhe reconhecem o mérito. E ela sabe disso.
"Quero ser um exemplo para os mais jovens. Uso-me como exemplo em mais do que uma vertente. Como mulher, como estrangeira que foi para os EUA, como esposa e mãe, como cientista e como alguém que resistiu perante muitas adversidades", disse ao P2 no final de um longo dia de trabalho, que terminou com a atribuição do seu nome a um prémio de excelência de carreira. "Nem nos meus sonhos mais delirantes alguma vez pensei que iria ter um prémio com o meu nome. É uma honra enorme. Penso que pode ser uma inspiração para os mais jovens", agradeceu a cientista que pediu apenas uma correcção no título do galardão: "Em vez de prémio Bissell, pode ser Mina J. Bissell? É que Bissell é o nome do meu marido - que amo muito - mas gosto de preservar o J. de solteira. É uma parte do que sou."
"Confiem no vosso instinto"
Antes, no mesmo palco, tinha feito outro apelo mas, desta vez, com um entusiasmo contagiante e dirigido à plateia maioritariamente composta por jovens estudantes e investigadores: "Confiem em vocês. Pensem sempre out of the box. Não ouçam os vossos professores, não liguem ao que eles dizem, ao que eu digo, ao sistema. Confiem no vosso instinto. Se não conseguirem financiamento - como eu não consegui durante 15 anos -, não se preocupem. Mais tarde ou mais cedo, verão que vale a pena. Têm só uma vida, aproveitem-na bem." Mina J. Bissell já tinha dito numa entrevista que valorizava muito mais alguém que lava pratos do que um aluno de doutoramento que não é apaixonado pela sua investigação. "O que é preciso é encontrar algo que se goste muito de fazer e fazê-lo bem."
Mina J. Bissell gosta muito do que faz no Laurence Berkeley National Laboratory, um edifício em forma de seio (segundo a própria assinalou) com vista para a Golden Gate Bridge, em São Francisco. Só alguém assim seria capaz de comparar a imagem de uma glândula mamária de um rato aos "ramos de uma árvore no Outono", como fez anteontem na conferência. Ou falar como falou sobre o seu trabalho. A cientista quis explicar como o contexto é importante, determinante mesmo, no cenário do cancro da mama. Uma polémica tese que, desde o início, contrariou a tendência para se focarem as atenções nos genes. Numa altura em que a regra era clonar e sequenciar genes, Bissell olhava para o que estava à volta. Ainda hoje é assim. Enquanto desenvolvia a sua abordagem centrada no valor da matrix extracelular (o complexo ambiente que está à volta de um tecido vivo) e da estrutura tridimensional das células e resumia 30 anos de investigação a uma intervenção de menos de uma hora, Bissell mostrou como sente o que faz. Incrível, espantosa, fantástica, inacreditável, maravilhosa... foram palavras que usou para comentar um slide ou descrever um avanço da sua equipa.
No Porto, Mina J. Bissell revelou também as suas capacidades como divulgadora científica, usando imagens e palavras simples para explicar o complicado. Admitiu que as células conversam entre si mas também com o seu ambiente exterior e vice-versa, num modelo de reciprocidade dinâmica. Uma conversa que se faz mediante a troca de variados sinais, bioquímicos e mecânicos. Lembrou que todos os genes têm um recepeor de informação na sua matrix extracelular. Por isso, é que apesar de termos a mesma informação genética (genótipo) numa célula que encontramos no nariz ou num dedo, elas adquirem funções diferentes (fenótipo). Por isso, é que somos um milagre. Num mergulho nas pesquisas mais recentes, mostrou como estas premissas servem para perceber as transformações ocorridas com um cancro, como o crescimento e malignidade dos tumores são regulados pela organização e arquitectura dos tecidos. E mostrou casos onde manipulou o diálogo entre células e ambiente externo, de forma a conseguir assistir a uma reversão de um tumor. Por fim, insistiu que estudar as células a duas dimensões num pratinho de laboratório é algo arcaico e que o recurso a uma perspectiva 3D pode ser útil para determinar o tipo de tumor.Irreverência contínua.
Já foi dito, Mina gosta de correr riscos e assusta-se com pouca coisa. Um traço que a segue na carreira mas também fora dela. "Muitas pessoas vêm ter comigo e perguntam se não é maravilhoso ter tido a oportunidade de fazer isto nos EUA, fora do Irão. É errado. Eu fiz o que fiz precisamente por ser do Irão. Isto porque o Irão sempre foi aberto a que as mulheres fizessem coisas. Mesmo hoje." Apesar de reconhecer que beneficiou do facto de pertencer a uma família de classe média/alta, Bissell sublinha que sempre foi incentivada a pensar e discutir. Gostava de discutir política com o pai e hoje continua a preocupar-se com esses assuntos. "É importante que as pessoas sejam intelectualmente honestas. É muito importante que combatam as ditaduras. As ditaduras assumem muitas formas... nos EUA falamos muito em libertar os outros mas vamos lá destruir os seus países. Acho isto patético." E continua: "Se lermos bem o que se tem passado, vemos que eles tentam controlar tudo." Mesmo a ciência? "Mesmo a ciência. Mudaram a cara da ciência." Impressionada por Hillary Clinton mas confessando-se também seduzida por Barack Obama, Mina J. Bissell atira a cabeça para trás e arrasta a vogal para sublinhar que qualquer um deles seria melhor do que George W. Bush por uma "enooooooorme margem". Diz que estas posições a podem "meter em sarilhos" mas frisa que esta é a sua opinião desde o primeiro dia deste "regime" - e cita a "manipulação dos juízes", a situação dos prisioneiros, etc - e que a verdade começa agora a ser conhecida. No fundo, a conclusão política aplica-se ao que conquistou também com 30 anos de carreira científica. Na conversa com o P2 defende ainda as mulheres que conciliam a carreira com a vida familiar, conta que pediu para que o seu nome fosse retirado de uma lista de possíveis candidatos a Nobel divulgada no Irão - "acho que estas coisas não acontecem tão facilmente e o comité do Nobel não gosta de ser pressionado". E conclui: "Isso também não me interessa. Tive uma carreira científica fantástica. Já disse isto mas repito: se tivesse outra vida, trabalharia para a paz. Sinto-me muito abençoada na minha vida, mas acho que o que o mundo de facto precisa é de paz."
(árvore de Fibonacci)