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Como tenho andado arredada destas lides de mares e maresias, de praias e areais algarvios, de modas veranis e de veraneio, pareço uma campónia embasbacada de cada vez que vejo algumas modernices, muito engraçadas umas, muito irritantes outras.
As bolas de Berlim passaram a ser uma miríade gastronómica variadíssima, com recheio de chocolate, caramelo e Nutella, bolas de alfarroba, beterraba e Spirulina (!!!!) – devem ser as variantes saudáveis e ecológicas. Não se vê ninguém a vender gelados, nem batatas fritas, nem água, sequer, mas as línguas de sogra ainda resistem.
As duas peças dos biquínis já não precisam de combinar na mesma cor e padrão. Agora podem ser totalmente diferentes, o que é uma forma de, comprando-se apenas 2 terem-se 4 biquínis diferentes! As alças passaram a ser uma só - aqui compartilham a moda com os fatos de banho.
Os vendedores ambulantes trocaram as estatuetas negras de pau negro (ou engraxado), os óculos e as bugigangas de contas, por grandes tapetes fininhos que, agora, substituem as antigas toalhas de praia. É vê-los aos magotes na praia, repetindo a palavra barato, com uma montanha de tapetes ao ombro. Há um vendedor que arrasa os meus nervos e os meus ouvidos todos os dias, inúmeras vezes, pois grita a plenos pulmões e canta uma cantilena vagamente parecida com o Guantanamera, importunando os outros veraneantes que, ainda por cima, ao contrário de mim, lhe acham graça. A verdade é que me parece ser o único a fazer negócio.
Mas há um mistério que me anda a intrigar e a preocupar, porque eu também tenho preocupações climáticas e ecológicas: o desaparecimento das melgas e mosquitos. Este ano e, se pensar bem, também no ano passado, os mosquitos deixaram de zunir como os aviões e desistiram de me picar. Lembro-me de passar as noites de Verão a matar mosquitos, amaldiçoando as picadelas, as borbulhas, os repelentes, as comichões, indissociáveis das férias.
Após aturada e aprofundada pesquisa na internet encontrei alguma explicação. Tanto quanto percebi a evolução dos mosquitos necessita de água e climas moderados. Climas muito frios não são favoráveis. Por isso a redução da chuva e, principalmente das acumulações de água, podem diminuir a proliferação dos mosquitos (pernilongos) e das melgas (as fêmeas).
Cá por casa acham que a explicação pela qual as melgas deixaram de me atazanar a paciência e a pele se liga com a minha crescente importância e imponência. É precisa muita paciência.
A teu pedido saí pela estrada vazia
medindo o compasso da respiração
a frequência do voo dos pássaros
apreciando a textura dos grãos de areia.
Ninguém me guia nem me segue
nenhum corpo de homem ou mulher
estende a invisível rede que compõe
a humanidade.
Só eu na estrada e o silêncio alado
dos pássaros que riscam o céu
de cumplicidade.
Filas para o pão, para a caixa, para o jornal. Filas para o almoço e para o jantar. Filas de gente pacata e paciente, que assume o seu lugar com a naturalidade e a filosofia de inúmeros Verões no Algarve, com chapéu amolgado na cabeça, calções pingões, perninhas meio arqueadas, t-shirts de cor berrante e vários sacos pendurados nos ombros.
As filas não são comigo. Sofro-as porque não tenho alternativa, como não a há às melgas e suas mordeduras, com as consequentes borbulhas de comichão torturante. Mas não consigo ser paciente nem pacata nem tolerante.
Outra inevitabilidade são as marcações para o jantar, dos cafés de sandes e cervejas às pizzarias e marisqueiras. E mesmo naqueles restaurantes que há 2 meses nos recebiam de sorriso rasgado, arranjando mesas sem dificuldades, passam agora a fortalezas inexpugnáveis, por onde só se pode esperar na fila na porta da frente, mesmo que se vejam variadíssimas e extensíssimas mesas vazias no interior. Ou aqueles outros lugares onde, não tendo marcação agendada, temos lugar nas mesas ao pé do caixote do lixo, ou na cozinha.
Mas há alturas de sorte, em que pequenas dádivas aparecem sem se fazerem esperar.
Subimos umas íngremes escadas, com esperança de poder comer qualquer coisa no terraço. Sem perguntar pela marcação, um jovem muito simpático e bonito aponta-nos uma mesinha mesmo à beira do varandim, com vista para a praia. Rapidamente vieram as bebidas, depois a comida, tudo acompanhado por um brasileiro armado de violão, com um reportório maravilhoso e uma voz a sério. No fim o pagamento merecido e as palmas solitárias, mas sentidas.
Serenidade.
No primeiro dia de praia, depois de muitos anos sem a frequentar, tudo parece novo e diferente, mesmo sendo velho e habitual.
O fato de banho que quase não serve, que quase se desmonta por estar gasto e esquecido, as chinelas, o saco, o guarda-sol leve, leve, que levitará rapidamente se houver uma brisa mais veemente, e aquele balandrau que não tem forma mas que serve a toda a gente (leia-se toda a gente que é obesa).
Tudo preparativos para a primeira sensação que se recorda com carinho e antecipação - os pés na areia, macia, morna.
Depois as pequenas irritações que vão regressando, como a tendência de acumulação de gente num espaço exíguo, com a armação de guarda-sóis a milímetros dos que já lá estavam, para se poderem ouvir as conversas, observar as iguarias, quase colocar creme nos vizinhos.
E o mar, o mar de maré vaza, as conchinhas a debicarem os pés, o frio a arrepiar as pernas, os ombros bem encolhidos e a respiração suspensa até ao primeiro mergulho.
Para culminar no regresso, em que tentamos saltitar de pé em pé, como os lagartos do deserto, pelo tanto que escalda a areia.
Férias.
Por muito que se esforcem os cabeleireiros, os cabelos são imprevisíveis.
Albert Einstein
Seremos as pregadeiras
Do mundo que nos calhar
Como pedras parideiras
Devotos mas sem altar
Serão os dias de flor
Sem cantos nem oração
Bálsamo que acalma a dor
Das feridas da paixão
E os abismos da tormenta
Que arrefecem madrugadas
Com salpicos de água benta
Serão asas prateadas
Seremos de terra e bruma
Anéis de vento e de mar
Nas vagas de amor e espuma
Sem medo de navegar
[17/Julho/2022]
A Bundle of Nerves Sculpture
Esta ansiedade palpável
Com que me deito e levanto
Numa correria instável
Com que atraso e adianto
Os segundos sem ponteiros
De um tempo reversível
Os relógios desordeiros
De uma calma impossível
Esta fase treme e louca
De noitadas em vigília
Vira noites sem boca
E faz ranger a mobília
Vem a manhã corrompida
De cansaço inundada
Lembrar ao corpo que a vida
Acorda de madrugada
Salvador Dalí
Neste manto liquefeito
De névoa quente e cinzenta
Procuro o ar rarefeito
Em que a vida se fragmenta
No pó parado e suspenso
De um sono intermitente
Um vago ardor de incenso
Um langor inconsciente
Calo o Bach e a flauta
A luz o olho o mundo
Na melodia sem pauta
Apago-me num segundo
Sisyphus
Recomeça....
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças...
[Miguel Torga]
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