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Cada um cumpre o destino que lhe cumpre. / E deseja o destino que deseja; / Nem cumpre o que deseja, / Nem deseja o que cumpre. [Ricardo Reis]
Expresso
Assisti com assombro aos fragmentos disponíveis no YouTube da audição de Sérgio Figueiredo, na Comissão Parlamentar de Inquérito ao processo que conduziu à venda e resolução do Banco Internacional do Funchal (BANIF).
Sérgio Figueiredo, embora visivelmente atrapalhado e pouco à vontade, não parece ter tido um rebate de consciência em relação às notícias enviesadas que a TVI produziu, em rodapé, exclamando indignado, perante os deputados que lhe apontavam a irresponsabilidade de divulgar uma notícia sem cruzar e confrontar fontes (e cuja consequência foi a rápida deterioração do banco e terá mesmo contribuído para o desfecho que se conhece), que o compromisso dele era com A verdade.
Em primeiro lugar, a verdade de Sérgio Figueiredo foi uma interpretação sua de factos que não teve o cuidado de confirmar com as instituições responsáveis, nomeadamente o próprio BANIF e o Banco de Portugal. Em segundo lugar, como é possível que, em termos éticos, Sérgio de Figueiredo não se questione sobre a gravidade e as consequências das verdades, para ele absolutas e mais importantes que o pânico que gerou, e os incontáveis prejuízos que a seguir se verificaram e ainda se hão-de verificar?
Não defendo que se omitam ou escondam problemas, por muito graves que sejam, nem que se enganem os cidadãos com a desculpa da segurança. Mas para quem tanto se reclama da importância da auto-regulação, não faz ideia do que isso é. Chega a ser assustador olhar para o semblante iluminado de Sérgio Figueiredo a falar de A verdade, como se isso fosse matemática pura. A verdade de Sérgio Figueiredo, animada pelas suas escolhas políticas e pelos seus preconceitos ideológicos será certamente diferente da verdade de qualquer outro jornalista, com opções opostas e com práticas semelhantes.
Estes profetas da verdade (deles) esquecem-se da responsabilidade que é tanto maior quanto mais graves e importantes forem as informações de que disponham. Como pode Sérgio Figueiredo, tantos dias depois do que se passou, não ter percebido que o que fez foi errado, contra tudo o que é bom senso e contra as boas práticas da sua profissão, assumindo-se como um heróico cavaleiro?
Independentemente das responsabilidades que terão certamente outros actores neste processo, nomeadamente o anterior governo e os supervisores da Troika, Sérgio Figueiredo, consciente ou inconscientemente, foi instrumento de interesses que nós desconhecemos. Para quem tanto gosta de julgar políticos, com a capa da imparcialidade e da competência, mostrou bem que não tem uma nem outra. Infelizmente não é só ele.
Nota: a propósito do jornalismo em crise vale a pena ler Leonel Moura.
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